domingo, 16 de outubro de 2016

Escravos Tigres

Desde os primórdios que o negro é discriminado e sofre até hoje com as mazelas que foram criadas a partir dos maus tratos que sofreu e das atividades insalubres que era obrigado a executar, quando a sociedade ainda não tinha os meios sanitários que hoje existem e que facilitam a vida de todos nós.
Quando visitei um museu em São Luís, Maranhão, a guia nos falou que antigamente os colonizadores não tinham muito costume de tomar banho e por isso havia nos quartos os móveis de asseio e também as cadeiras utilizadas para realizar as necessidades fisiológicas, as quais eram depositadas em vasos e depois transferidas para barris. 
Um escravo específico fazia esta coleta diária dos rejeitos e era responsável também por depositar tudo aquilo num local adequado para depois jogar no rio. A prática de transportar o barril nas costas gerava uma situação específica para estas pessoas, pois a urina e fezes terminavam vazando e escorrendo pelos corpos dos coitados, causando muitas manchas, devido a acidez da urina e também dos demais agentes químicos que estavam contidos naquele barril. 
As manchas deixaram os escravos com uma aparência feia e terminavam sendo comparados a tigres, pois as marcas eram bem parecidas. Estas pessoas já eram reconhecidas na rua pelas marcas que apresentavam no corpo e isso os deixava muito chateados com a situação, já que ninguém queria chegar muito perto deles devido ao alto grau de contaminação que possuíam. 
Foi desta prática que surgiu a palavra "enfezado", que nada mais é do que "estar cheio de fezes, sujo". Quando estamos com raiva também recebemos este tipo de qualificação, como também aqueles que estão com uma constipação, o que gera um desconforto e consequentemente uma raiva momentânea até que tudo se resolva.
O que percebi é que as pessoas naquela época eram mais nojentas do que as de hoje e faziam práticas que nos dias atuais gerariam doenças sem fim devido a total falta de cuidado e sanitização de ambientes e lugares públicos. Conhecimentos como estes nos levam a entender como o brasileiro vive até hoje e como ainda não aprendeu a cuidar bem das cidades que vive, pois basta observarmos as grandes e desordenadas metrópoles para percebermos que as práticas mudaram, mas continuam quase iguais. Basta ir na favela da maré, no Pina, para percebermos que os escravos tigres de hoje possuem outras cores, possuindo total liberdade para depositarem seus rejeitos no rio da forma mais irregular possível e sem cuidar dos itens mínimos de higiene que possibilitam uma saúde mais agradável a todos. 
As épocas mudaram, muita coisa avançou, porém o homem continua sendo meio nojentinho em vários aspectos da sua vida e praticando atos que já deveriam ter ficado no esquecimento. Os rios que circulam as cidades estão cada vez mais sujos e contaminam tudo, sendo transformados em esgotos do descaso e da falta de planejamento urbano. Os barris de antigamente são hoje as diversas sujeiras que jogamos nos rios e a falta de saneamento básico em muitas casas nos leva a crer que o tempo não passou para uma grande parte da sociedade que ainda sofre por melhores condições de vida e carrega no corpo as marcas do descaso governamental, que pensa em tudo menos na melhoria das condições de vida e da igualdade social.
Somos todos escravos tigres e nossas marcas são hoje mais profundas do que pensamos, pois a cura disso tudo parece estar tão distante que nem notamos os barris da sujeira e indiferença ficarem cheios até hoje.
Ainda temos muito para evoluir...

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